Postado por Daniel Morais em 06 de maio de 2018
As notas límpidas, intensas e equilibradas do piano de Soneca alcançaram o discretíssimo contrabaixo de Peteca e a batida jazzisticamente sofisticada – paradoxalmente, quase-silenciosa – de um endiabrado Papel e sustentaram uma formidável arquitetura musical cuja clave em ascensão era o próprio sol: Joyce Cândido, misteriosa amálgama de dança, canto, pintura, música e poesia.
Disparada – clássico absoluto de Vandré e Théo de Barros – reexperimentou-se em formato-jazz e foi a primeira gota de uma saborosa chuva musical a espraiar-se em Lamento Sertanejo até chegar o primeiro convite para o banho coletivo com Saudosa Maloca, sucesso retumbante de Adoniran Barbosa com o qual Joyce Cândido se projetaria no Youtube com as milhares de visualizações, aplausos sonoros na grande rede.
Em Samba e Amor – ela agora ao piano –, Joyce derrama toneladas de jazz sobre a obra de Chico e nada mais apropriado que um cobertor de lã para ouvi-la sem ter que prestar satisfação ao sono que virá mais tarde, num delicioso espreguiçar. E então, do jazz ao erudito é um pequeno passo e – acreditem – é Amadeus Mozart quem convida Beto Guedes para expressar seu Amor de Índio.
Arquiteta inquieta, Joyce Cândido convida Elis e Belchior ao teatro e – sinal aberto pra nós, que somos jovens –, ela encanta o público ao criar uma nova juventude para Como Nossos Pais. E é mais uma vez com Chico, de Roda Viva à indefectível Geni, que ela traz para mais perto de si um público já definitivamente cativado e plenamente identificado com a grandeza de sua arte.
Daí em diante, com canções próprias ou passeando pelos clássicos, de Caymmi e Caetano, de Dona Ivone Lara a Gonzaguinha e Noel Rosa, foi só prosperidade. Samba e jazz: primeiro em gotas, depois em cascatas, até ver-se uma plateia de tal maneira embebida da musicalidade que já não era sequer possível manter-se fixa às cadeiras do teatro. Timidez jogada ao canto, dança, canto, mexidos e requebros foram aos poucos ganhando forma e o espetáculo espraiou-se do palco à plateia.
Pedro Alexandre Massinha, descobridor dos setes mares musicais, autor da ideia e promotor do espetáculo, eufórico e exibindo aquele seu sempre largo e sincero sorriso, resplandecia. “Me diga, me diga. É a música em pessoa ou não é, Fabinho?”. Definitivamente, sim, Massinha: Joyce Cândido é dança, é canto, é pintura, é música e é poesia. Uma enxurrada de poesia.
Fonte: Siga News