As bancadas de PT e PSOL na Câmara e o partido Rede Sustentabilidade apresentaram ao MPF (Ministério Público Federal) –no caso dos parlamentares– e ao STF (Supremo Tribunal Federal) –no caso do partido– pedidos de investigação sobre a decisão do ministério de Damares Alves de colocar o Disque 100 à disposição de pessoas antivacinas que passem por “discriminação”.
A representação de 40 deputados do PT foi protocolada na PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), um colegiado que funciona no âmbito da PGR (Procuradoria-Geral da República).
O documento é capitaneado pelas deputadas Maria do Rosário (RS), ex-ministra dos Direitos Humanos, e Gleisi Hoffmann, presidente do partido.
O senador Humberto Costa (PT-PE) também protocolou um documento semelhante na PFDC.
Já os oito deputados do PSOL ingressaram com uma representação na Procuradoria da República no DF pedindo providências nas esferas cível e penal.
A representação da Rede foi feita no curso de uma ação já em curso no STF, relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski, que cobra ações do governo Jair Bolsonaro (PL) para a vacinação da população brasileira contra a Covid-19.
Todas as ações no MPF e no STF foram protocoladas com base em reportagem publicada pela jornal Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (27).
A reportagem revelou que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos produziu uma nota técnica em que se opõe ao passaporte vacinal e à obrigatoriedade de vacinação de crianças contra a Covid-19.
No documento, a pasta coloca o Disque 100, o principal canal do governo para denúncias de violações dos direitos humanos, à disposição de pessoas antivacinas que passem por “discriminação”.
A nota técnica foi concluída no dia 19. É assinada por três secretários e um diretor da pasta. A ministra Damares Alves endossou o documento e o encaminhou a outros ministérios a partir do dia 21. Entre os destinatários do documento estão os Ministérios do Trabalho e Previdência e da Economia.
A bancada do PT na Câmara, deputados estaduais, vereadores, o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e 25 entidades representativas da sociedade civil endossam o pedido de investigação direcionado à PFDC nesta sexta (28). O entendimento é que existe um desvio de finalidade no uso do Disque 100 estabelecido por Damares.
“São fortes os indícios de que a ministra e os demais signatários da indigitada nota técnica agem para satisfazer interesses ou sentimento pessoais contra disposição expressa em lei”, afirmam.
A representação dos deputados do PSOL foi movida contra Damares, os secretários e o diretor do ministério que assinam a nota técnica. “A nota é irresponsável e vai de encontro aos estudos científicos já feitos sobre a vacinação”, dizem.
Os parlamentares pedem que a nota técnica seja anulada imediatamente, e que uma investigação seja conduzida pela Procuradoria da República no DF.
A representação da Rede no STF, por sua vez, afirma que o documento do ministério de Damares é uma “frente negacionista” e um “contra-ataque” ao avanço da vacinação contra a Covid-19. É o mesmo caso de uma nota técnica do Ministério da Saúde que reafirma o caráter não obrigatório da imunização de crianças contra a doença, segundo a representação.
A ação pede que os servidores que assinam as notas sejam afastados dos cargos públicos ocupados, e que os fatos sejam encaminhados ao Ministério Público para apuração.
Assinaram o documento Eduardo Miranda Freire, secretário nacional de Proteção Global substituto; Fernanda Ramos Monteiro, secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente substituta; Marcelo Couto Dias, secretário nacional da Família substituto; e Jailton Almeida do Nascimento, diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos.
Damares endossou o documento. “A nota técnica foi elaborada conjuntamente pelas secretarias nacionais de Proteção Global, da Família e dos Direitos da Criança e do Adolescente, com o objetivo de apresentar fundamentos técnicos, jurídicos e políticos no campo dos direitos humanos, que, na visão desta pasta, não justificam a obrigatoriedade ora proposta”, afirmou.
Ao colocar o Disque 100 à disposição de quem passa por “discriminação” em razão de falta de vacinação, como afirmou o ministério, a pasta pode gerar desvirtuamento e sobrecarga do canal de denúncias, na visão de gestores do governo familiarizados com o serviço.
O Disque 100 é o principal instrumento do governo federal para recebimento de denúncias e encaminhamento para investigação dessas acusações de violência contra mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, pessoas que vivem nas ruas e população LGBTQIA+.
Na nota técnica elaborada e distribuída a ministérios, a pasta de Damares concluiu que “medidas imperativas de vacinação como condição para acesso a direitos humanos e fundamentais podem ferir dispositivos constitucionais e diretrizes internacionais”.
Além disso, na visão de integrantes da pasta, essas medidas podem contrariar princípios bioéticos, ferir a dignidade humana e “acabar por produzir discriminação e segregação social, inclusive em âmbito familiar”.
“Para todo cidadão que por ventura se encontrar em situação de violação de direitos, por qualquer motivo, bem como por conta de atos normativos ou outras medidas de autoridades e gestores públicos, ou, ainda, por discriminação em estabelecimentos particulares, está disponível o canal de denúncias, que pode ser acessado por meio do Disque 100”, diz a nota técnica.
Em nota à reportagem, o ministério afirmou que o Disque 100 é aberto a todos que se sentem violados em seus direitos fundamentais.
“O serviço não faz juízo de valor sobre as denúncias. Apenas recebe, faz a triagem e encaminha relatos de insatisfação aos órgãos competentes”, disse.
A nota técnica foi elaborada pelo ministério porque a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu manifestações sobre violações de direitos, segundo a pasta.
“O ministério não é contra a vacinação contra Covid-19, porém manifesta-se, fundamentado em dispositivos legais, contrariamente à sua obrigatoriedade.”