Alma lavada mesmo, a chuva fria molhava o chão do estacionamento, que durante muito tempo foi o cenário das partidas de futebol na minha infância… Na benção do padre, ele trouxe um Deus artista, porque só um artista teria criado algo tão lindo e especial…​

Estou me referindo ao Projeto de Literatura Vida e Arte, do Colégio Paulo VI. Fiquei encantado com tanta beleza e leveza para retratar a história da nossa arte, utilizando as linguagens da Literatura, Teatro, Dança e, principalmente, Música, por meio da qual foi feita uma viagem no tempo…​

Os pequenininhos estavam com a indumentária de vagões que levaram até o Trenzinho Caipira de Heitor Villa-Lobos, o maior compositor de todos os tempos do nosso país, e que teve um papel relevante no modernismo brasileiro…​

Durante as apresentações meus olhos marejaram: fiz uma viagem tão emocionante que me fez crer que, realmente, a arte salva, e vale a pena.​

No repertório, Caetano cantou “Sampa”, e alguma coisa aconteceu no meu coração. (Aliás, incrível como ninguém retratou São Paulo tão bem quanto o baiano Caetano). Cantou também “Um Índio” e, por fim, “Alegria, Alegria (“sem lenço sem documento”), citando os anos de chumbo que alguns desavisados ou mal-intencionados querem de volta… Ali estavam os Tropicalistas, e ficou evidente essa presença quando escutei a voz da eterna Gal…​

Depois, os Novos Baianos, representados por Moraes Carnaval Moreira, ele que poetizou o Carnaval e carnavalizou a poesia. “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor. (…) Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros, que nós queremos…” a alegria da copa e da democracia! E foi um bálsamo escutar Noel Rosa, querendo saber qual foi o resultado do futebol e com que roupa ir pro samba…​

Passamos então por “Carcará”, dos mestres Chico Buarque e João do Vale; a música “Cidadão”, que foi imortalizada por Zé Geraldo (“tá vendo aquele edifício, moço, eu também trabalhei lá”); e a perpetuação do samba, que nós não vamos deixar morrer: “Não deixa o samba morrer, não deixa o samba acabar, o morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar”…​

Lembrando o respeito que devemos ter pela diversidade, foi a vez de Rita Lee enaltecer a força da mulher, “por isso não provoque, é cor de rosa choque”. Em seguida foi a vez de Ney Matogrosso, um filho de coronel que, para fazer suas aparições enquanto cantor, pintava sua cara, e também de seus parceiros dos Secos e Molhados, pelo medo da repressão. Ney disse para todos escutarem: “Eu sou homem com H”. Esse “homem” da narrativa da canção, não se refere meramente à sexualidade, e sim ao respeito, e, principalmente, à liberdade de sermos o que quisermos ser…​

Meus olhos voltaram a ser poças d’água quando, no meio de outra linda apresentação, um aluno cadeirante entra no palco com um cartaz dizendo:​”inclusão, liberdade, respeito” e outros conceitos que minha memória não me ajuda a lembrar, mas cuja força simbólica não se deixa esquecer.​

O Nordeste, muito bem representado pela cultura popular do Cordel e pelo Rei do Baião: “toda menina que enjoa da boneca é sinal de que o amor já chegou no coração”.​

Na luta contra o abuso e a violência sexual, um aluno com a camisa do atleta “Robinho”, sugerindo uma grade de prisão, que é o que realmente merecem os estupradores, misóginos, vermes que existem na nossa sociedade patriarcal e cheia de “pré-conceitos” (que vamos aos poucos desconstruindo…).​

A música de rua veio mostrar a violência policial contra a juventude pobre e negra das nossas comunidades, que são exterminadas cotidianamente…​

A música da Bahia, que tem como base os tambores herdados da África, voltou por meio de “Protesto Olodum” (“força e pudor, liberdade ao povo do pelô”), junto com a pintura no corpo, a dança que nos trouxe o movimento de Brown, idealizador da Timbalada no Candeal…​

Por fim, os professores se misturaram para fazer um Carnaval delicioso com muita alegria… “Olha a onda, olha a onda”. E que onda, viu!? Para saudar a mãe-música que tanto alimentou nossa alma no nosso eterno e maravilhoso Colégio Paulo VI.​

Quero parabenizar a todas as pessoas envolvidas nessa atividade que, tenho certeza, foi uma construção coletiva, como os bons projetos devem ser… Sinalizando novos tempos, novos desafios e novos conceitos, para construção de uma sociedade mais digna, mais respeitosa, com muita arte, diversidade, e, principalmente, amor…​

Voltei pra casa de alma lavada! Viva o Colégio Paulo VI!​