Caos instaurado durante a greve dos caminhoneiros relembra uma ferida antiga do país: a falta de investimentos na malha ferroviária

“Dona de casa não saiu pra comprar pão, pois sabia que o padeiro também não tava lá…” Mais de quarenta anos após o lançamento, a canção de Raul Seixas poderia, perfeitamente, ter sido escrita nos últimos dez dias. Reivindicando, principalmente, a queda no preço do óleo diesel, caminhoneiros de todo o país cruzaram os braços e bloquearam as principais rodovias do país, causando uma enorme crise de abastecimento em todos os setores da economia.

Até então, provavelmente, grande parte da população não tinha dado conta que surpreendentes 61% do transporte de cargas da nação é feito exclusivamente via rodovias, conforme mostra os dados da Confederação Nacional de Transporte (CNT). De acordo com o especialista em engenharia ferroviária e professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Jorge Ubirajara, o caos relembra uma ferida antiga do país: a falta de investimentos na malha ferroviária.

Petrobras incentivou declínio
Apesar de ter sido melhorado, pouca coisa mudou no sistema ferroviário de 1920 até 2018 – já que a extensão continua sendo de cerca de 29 mil quilômetros de trilhos. De acordo com o historiador Francisco Sena, a criação da Petrobras, na década de 1950, deu início a derrocada do transporte ferroviário. “Começa toda uma política nacional de transporte para privilegiar o petróleo. O asfalto é derivado do petróleo e o diesel também, obviamente, então, o investimento passou a ser em estradas e indústria automobilística”, explicou.

Trechos em situação precária: “50% utilizado”
Na opinião do especialista em engenharia ferroviária, Jorge Ubirajara, a malha baiana vive dias de precariedade. “No trecho da ferrovia na Bahia até Belo Horizonte a taxa de ocupação está abaixo de 50% em relação à utilização. É uma situação crítica. Tem ferrovias que, por mais que tenham sido melhoradas com o processo de privatização, entretanto, não foi suficiente. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), quando concessiona essas rodovias, traça algumas metas de produção para as concessionárias que não são cumpridas”, pontuou.

Secretário cobra investimento
A precariedade das estradas de ferro da Bahia foi criticada pelo secretário de Infraestrutura do Estado, Marcus Cavalcanti, que atribuiu o problema ao descaso da VLI, empresa que possui a concessão da malha ferroviária estadual. “A VLI não tem feito investimentos na malha ferroviária. Inclusive, ela tem uma multa de quase R$ 900 milhões, valores de cinco a seis anos atrás”, disse. De acordo com o secretário, o processo de concessão que escolheu a empresa, que era ligada à Vale, não foi feito corretamente. “A empresa que venceu a licitação priorizou a malha ferroviária de Minas, já que ela era ligada à Vale. Os investimentos aqui são praticamente zero. Nós não temos mais trem para Juazeiro, Aracaju, não temos acesso ao Porto de Aratu, deixamos de ter acesso a dentro de Salvador. Nós defendemos que a ANTT obrigue a concessionária a investir não só os R$ 900 milhões de valores de seis anos atrás, como também os valores da prorrogação do contrato que o Governo Federal está negociando”, completou.

Fiol ainda é esperança para economia estadual
Orçada em R$ 6,4 bilhões, a Ferrovia Oeste Leste (FIOL), que foi projetada para auxiliar a escoar a produção de minério de ferro e grãos da Bahia para o centro do país ainda é promessa. A obra lançada em 2011 prevê 1.527 quilômetros de trilhos, mas foi parada por falta de verbas. Durante ida a Brasília, em maio, Rui Costa (PT) cobrou uma solução para a obra. “Mesmo sendo uma obra federal, o governo da Bahia não abre mão de acompanhar de perto”, afirmou ao explicar que o Estado fez o estudo de viabilidade econômica da ferrovia e entregou à Empresa de Planejamento e Logística (EPL).

VLI rebate críticas
A  VLI rebateu as críticas de especialistas e do Governo da Bahia e afirmou que já investiu R$ 190 milhões nas operações. “O corredor logístico Minas-Bahia tem operações regulares e movimenta cerca de 200 mil toneladas de cargas por mês. Os principais produtos são cal, sínter, cimento, derivado de petróleo e minério de cromo. Só na Bahia, a empresa gera mais de 500 postos de trabalho”, afirmou. A empresa não se pronunciou sobre a multa apontada pelo Governo da Bahia até a publicação desta matéria.

Fonte: Metro 1