Moradores dizem que, só na região do Largo do Paissandu, há 20 ocupações

Uma briga de casal é a mais provável causa para o incêndio que provocou o desabamento de um prédio no Largo do Paisandu, no centro de São Paulo, nesta madrugada. Gabriel Archangelo, de 21 anos, assistiu ao momento em que um casal discutia no quinto andar. Embora fosse proibido, eles cozinhavam com álcool como combustível. O marido colocava mais líquido na fogueira quando a mulher o empurrou.

As roupas dos dois pegaram fogo. Eles arrancaram tudo do corpo e desceram nus com os filhos pela escadaria. Gabriel avisou a mãe para levar seus 11 irmãos para baixo e correu até o décimo andar berrando “fogo, fogo!”.

— Não deu tempo de todo mundo sair. Não deu — lamenta Archeangelo enquanto abre uma garrafa de vinho. — É o que sobrou para fazer.

Atrás das paredes amarelas da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos , Gabriel e outros moradores estavam largados em cerca de dez colchões e cercados de vizinhos de outras invasões e pedestres curiosos. Eles estavam desesperançosos. Por volta das 9h, apenas a Guarda Civil Metropolitana havia feito um cadastro de quem perdeu tudo na madrugada para fornecer os colchonetes. Segundo eles, a Prefeitura de São Paulo ainda não havia oferecido assistência.

— A gente é invisível mesmo — disse uma mulher, vítima da tragédia, enquanto acendia um cigarro.

Logo ao lado, Fábia Rodrigues da Silva, de 30 anos, chorava. Ela morava num quartinho no 3º andar com os dois filhos, um menino de 17 anos e uma garota de 10. Pagava R$ 400 mensais de aluguel e dividia o banheiro com outras 15 famílias que moravam no mesmo pavimento.

— Acordei com uma gritaria, achando que era briga. Quando vi que era incêndio, mandei meus filhos descerem e fiquei procurando nossos documentos — conta Fábia, que trabalha como assistente de limpeza de um cinema.

A moça, que também desceu com sua cachorra Mel, chegou a ver o amigo, conhecido apenas como Tatuado, pendurado em uma corda, sendo resgatado pelos bombeiros. Antes que o rapaz chegasse ao chão, o prédio desabou. O homem morreu. Fábia se desesperava ao falar de outras duas amigas que estão sumidas: Selma, mãe de gêmeos pequenos, e Eva.

— Isso fora todo o povo do quinto andar pra cima, que a gente não sabe onde está — lamentou Fábia.

MORADORES PAGAVAM ALUGUEL A COORDENADORES DO MLSM

O aluguel era pago, segundo os moradores, para dois “coordenadores” do Movimento de Luta Social por Moradia, o MLSM. Ambos sumiram assim que o fogo começou.

— Foram os primeiros a fugir — grita Antônio, um rapaz de boné, muito agitado. — Eles moravam no térreo. Deu tempo até de tirar os carros da garagem.

Os moradores dizem que, só na região do Largo do Paissandu, há 20 ocupações. As regras no prédio que eram rígidas, relatam as vítimas. A água só era liberada de madrugada e os portões eram trancados às 19h.

— Estava tudo trancado na hora do fogo. Se não fosse um morador de rua arrebentar a corrente, a gente teria morrido lá dentro — diz Fábia.

Quem chegasse depois da meia-noite, dormia na rua. Foi o que aconteceu algumas vezes com Bárbara Nair, de 19 anos, grávida do terceiro filho.

— Fui expulsa há duas semanas porque atrasei R$ 100 do aluguel. Sendo que o prédio é infestado de rato, não tem esgoto nem descarga — conta Bárbara.

Há dois meses, funcionários da prefeitura estiveram no prédio fazendo o cadastro das famílias, com a promesa de realoca-las.

Em frente aos escombros em chamas do prédio que já foi da Polícia Federal, Rogério Baleki exibia um documento datado de 24 de novembro de 2015 e assinado pelo promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, Reynaldo Mapelli Júnior. O ofício informa a instauração de um inquérito para apurar as condições da ocupação.

— Isso não é acidente. O prédio foi vistoriado dias depois — diz Baleki, que morou no prédio ao lado por alguns anos.

Fonte: iBahia