“A bota”, foi lançada por Carlinhos Brown na noite desta sexta-feira (05), em parceria com o compositor Guilherme Menezes.

A canção “A bota”, se encaixa tão perfeitamente no infortúnio do afro-americado morto dias atrás por um policial branco. Pode ser interpretada como uma reação criativa inspirada no caso que incendiou os Estados Unidos e provocou reações no mundo inteiro.

Mas só os últimos versos foram acrescentados depois da morte de George Floyd.
Além de inserir referências ao episódio de Minneapolis, como algumas das últimas palavras de Floyd, Brown compôs um arranjo que confere força suficiente para a música esquentar ainda mais o debate sobre racismo pelo caminho da arte.

O clipe de lançamento mescla cenas do cantor no estúdio, imagens de escravos em senzalas brasileiras e cenas dos protestos recentes nas cidades norte-americanas, num ritmo sincopado que lembra rodas de capoeira.

Carlinhos Brown devolve à música baiana, um compositor que, numa dessas encruzilhadas da vida, interrompeu a carreira artística. Guilherme Menezes era mais um cabeludo dos anos 1960, rebelde à sua maneira ensimesmada, quando resolveu deixar sua Iguai para tentar a sorte no eixo Rio-Sampa.

Fez o mesmo caminho de outros baianos daquela época. Andando pelas ruas de São Paulo, observando o vai-e-vem frenético das pessoas no Centro, converteu em música o que bem poderia ser uma crônica de cotidiano sobre as múltiplas personagens que cruzam o conhecido Viaduto do Chá.
“Viaduto do Chá” é uma das canções reunidas no disco Velhas Histórias, produzido e organizado por um amigo e também músico, Nagib Barroso.

Por timidez ou obra do acaso, Guilherme voltou do sul sem ainda alcançar o sucesso de outros compositores da sua geração. Embrenhou-se no interior de Conquista como professor e foi colecionando mais imagens e personagens nas suas vivências. “Velhas histórias” foi produzido quase às escondidas, com a ajuda da esposa Josete Menezes, cúmplice de Nagib no projeto.

“O artista quando mostra sua arte, é por vaidade, quando esconde, também”, atiçava Nagib, diante da resistência de Guilherme em dar vazão ao compositor.
No disco já disponível em todas as plataformas digitais, há outras composições com a mesma verve do compositor-observador de pessoas e lugares, tradutor de raciocínios complexos em versos aparentemente simples.

Em “Zé Pulú”, interpretada no disco por Xangai, conta a história de um doido que reage violentamente à violência de um coronel, quando essas figuras mandavam e desmandavam no Sertão da Ressaca, região onde está Vitória da Conquista.

“Aquilo é composição de compositor de verdade”, comentou Elomar, quando ouviu “Zé Pulú”.
Guilherme Menezes se reencontra com a música, ao lado de Nagib Barroso, que o aproximou de Carlinhos Brown e Luiz Caldas. Luiz se encantou com a poesia de Menezes, admirador e conhecedor da obra do poeta Manoel de Barros, e incluiu “A chave” no seu próximo disco.

Antes disso, no calor de uma semana em que duas mortes de negros, Floyd em Minneapolis e o menino Miguel, no Recife, Brown, com “Abota”, abre esse baú, de onde certamente sairão muitas obras de um compositor de 77 anos que a Bahia ainda não conheceu.

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