Postado por editor em 21 de maio de 2019
A presidente do Conselho Municipal de Saúde de Vitória da Conquista, Monalisa Barros, foi entrevistada no Redação Brasil na edição desta terça-feira (21), sobre o caso de assédio sexual de que é acusado o ginecologista Orcione Júnior. Ao jornalista Deusdete Dias, a psicóloga afirmou que o conselho está acompanhando o caso – que alcançou repercussão nacional – para “esclarecer o ocorrido sem que haja outros prejuízos aos envolvidos”.
A psicóloga argumentou que o conselho emitiu uma nota pública por entender tratar-se de “quebra de lei” a exposição do conteúdo de prontuários médicos, que pertencem às pacientes e dos quais os médicos são meros guardiões. Ela faz referência ao fato de advogada de defesa de Orcione Júnior, Palova Amisses Parreiras, haver mencionado informações de pacientes durante entrevista coletiva semana passada.
“O conselho se mostra preocupado com esse caso de repercussão nacional. O prontuário é de propriedade do paciente. O médico é guardião do documento. Se o conteúdo veio dos prontuários, trata-se de quebra da lei,”, afirma Monalisa Barros. Ao tratar da questão específica das denúncias de assédio sexual, a psicóloga, que também é professora do curso de Medicina da UESB há 15 anos, avalia que o mais recomendado nesses casos, em que há contato físico entre médicos e pacientes, é que se assegure a presença de um auxiliar técnico durante o procedimento.
“As pessoas que tornam-se vítimas não podem virar réus. Se elas viveram tudo que viveram, a exposição de dados as torna ainda mais vítimas”, afirmou a presidente do Conselho, argumentando que a OAB e outras entidades devem buscar garantir a liberdade das mulheres cursarem suas vidas com tranquilidade, “sem imputação de outras violações de direitos”.
Leia, na íntegra, a nota pública do Conselho Municipal de Saúde
Sendo o Conselho Municipal de Saúde o espaço máximo do controle social sobre as ações e serviços de saúde no município tendo como objetivo principal a formulação, fiscalização e deliberação sobre as políticas de saúde, a plenária do Conselho Municipal de Saúde de Vitória da Conquista vem a público manifestar sua preocupação com a devida apuração das denúncias largamente divulgadas acerca das queixas de assédio sexual por 24 mulheres contra um médico em nossa cidade. Entendemos que as queixas de assédio sexual são gravíssimas e exigem uma apuração cuidadosa, ética e criteriosa. Há, portanto, uma necessidade premente da devida apuração dos fatos, sem que estejamos acolhendo antecipadamente o julgamento do caso.
Entretanto, recentemente, assistimos a utilização de informações sigilosas supostamente pertencentes aos prontuários das pacientes que ora acusam um médico de abuso sexual analisados de forma a privilegiar os julgamentos de conduta o que pode aumentar o constrangimento, e até resultar em sentimento de ameaça e freio a novas denuncias, caso existam.
A observância do sigilo médico constitui-se numa das mais tradicionais características da profissão médica. O segredo médico é um tipo de segredo profissional e pertence ao paciente. Sendo o médico o seu depositário e guardador, somente podendo revelá-lo em situações muito especiais como: dever legal, justa causa ou autorização expressa do paciente. Revelar o segredo sem a justa causa ou dever legal, causando dano ao paciente, além de antiético é crime, capitulado no artigo 154 do Código Penal Brasileiro.
Vale frisar que, conforme disposto no artigo 1º da resolução n.º 1.638/2002, do Conselho Federal de Medicina, o prontuário médico é definido como o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo. A guarda de tão importante documento é responsabilidade do médico em seu consultório, ou pelos diretores de clínicas ou hospitais nos respectivos estabelecimentos de saúde. As informações fornecidas ao médico e mantidas em prontuário se revestem de sigilo e pertencem única e exclusivamente ao paciente. Exige-se a autorização do paciente, por conta de seu direito à intimidade, que tem plena aplicação ao se falar em prontuário médico. A esfera íntima do paciente é resguardada inclusive de seus familiares, mormente em casos cujas informações o mesmo não deseja que se tornem públicas a ninguém.
Análises de supostas condutas das mulheres atendidas pelo médico a partir de seus sintomas ou agravos que justificaram o atendimento pode ter o significado de um constrangimento. Constranger significa compelir, coagir, obrigar, forçar, determinar, impor algo contra a vontade da vítima, mas também pode ser o ato de causar um embaraço sério (de incomodar). Nesse processo, a conduta da mulher e sua adequação ao papel social feminino foram questionadas e reguladas aos limites concebidos de forma estereotipada e preconceituosa. Em outras palavras, o comportamento sexual feminino esperado foi passível de julgamento público. Este tipo de conduta pode aumentar o sofrimento psíquico das supostas vítimas produzindo outros efeitos iatrogênicos. A defesa não deve violar direta ou indiretamente direitos fundamentais da mulher tais como o respeito a sua vida, à integridade mental e moral, à liberdade e segurança pessoal e o direito de igual proteção perante a lei, entre outros.
A investigação do caso deve ser pautada por princípios éticos, legais e resguardar aos limites impostos pela lei. O CMS presa pela qualidade da assistência à saúde em nosso município e a adequada apuração poderá contribuir para este fim. Assim, oferecemos ao processo estas recomendações e cuidados, ao tempo em que recomendamos a Secretaria Municipal de Saúde que oferte acompanhamento psicológico a todas as mulheres que formalizaram a denúncia até o momento.
Confira a participação de Dra. Monalisa Barros no Redação Brasil